“Os negros escravizados e seus descendentes, expulsos das cidades em direção às vilas, favelas e aglomerados ao longo de toda a história, têm formas de se expressar, criar, fazer e viver de grande importância para a construção da cultura brasileira. Contudo, esse patrimônio ainda está pouquíssimo representado na história oficial e nos espaços museológicos do nosso país. Se a memória coletiva desse povo não é sequer reconhecida como patrimônio, algo precisa ser feito. O MUQUIFU foi criado para tirar essa memória da invisibilidade e do esquecimento.”
Mauro Luiz da Silva e Rafaela Pereira Lima
Inaugurado em 2012, o Muquifu reúne histórias dos moradores do Aglomerado Santa Lúcia, entendendo que estas são patrimônio de interesse não apenas do bairro, mas também de toda a cidade de Belo Horizonte. Tem o objetivo de salvaguardar a memória e dar voz à comunidade. Seu acervo é formado por doações dos moradores e é composto por fotografias, objetos, imagens de festas, danças, celebrações e histórias que representam a tradição e a vida cultural das diversas favelas do estado de Minas Gerais.
Seu espaço físico está abrigado em um anexo da Igreja Maria Estrela do Amanhã, com centralidade na capela que é, simultaneamente, um ambiente de oração, um local de encontro, uma cozinha e um museu. Ocupa também outras salas com exposições temporárias e permanentes e um jardim onde crescem os chás que são servidos aos visitantes e à comunidade que ali se encontra para conversar. Organiza uma programação variada que vai de rodas de conversa, seminários, debates e saraus a exposições, oficinas, visitas mediadas, caminhadas educativas, festas e encontros. Através de suas ações, o museu atua nas esferas da valorização da cultura negra e na denúncia ao racismo estrutural. Em mais de uma década de atuação, vale destacar algumas dentre suas tantas realizações:
As paredes da capela (também chamada de Igreja das Santas Pretas) são cobertas de pinturas resultantes de um processo coletivo de vários anos. Tratam-se de representações que fundem os acontecimentos importantes da vida de Nossa Senhora com as histórias de mulheres pretas da comunidade, cada uma delas retratada em uma das faces das diversas Marias. Outras salas da paróquia abrigam exposições dedicadas a profissões muito comuns entre moradores de favelas: o pedreiro e a empregada doméstica. Enquanto a instalação “Quartinho de Empregada” retrata e denuncia as condições de trabalho das trabalhadoras domésticas, a seção do acervo denominada “Presente de Patroa” apresenta objetos símbolos do racismo velado no Brasil.
Uma outra sala abriga um ambiente voltado ao Congado (também chamado de Reinado), uma expressão sincretista que mescla o catolicismo com religiões de matriz africana. Ali, além de objetos dos grupos de Congado “Treze de Maio” e “Guarda de Congo” da Vila Estrela, encontra-se a exposição de longa duração “Uma Rainha na Favela”, uma homenagem à Dona Marta, empregada doméstica e Rainha do Congado. Como muitas igrejas brancas do país proíbem a entrada dessas manifestações sincretistas negras em seus espaços, ali se desenvolveu o projeto “Senhor padre abre a porta”, que promove a acolhida dos Congados dentro das igrejas.
Outra frente de ação do Muquifu é a realização de pesquisas para retomar as histórias apagadas de seu povo e seu território. Para tanto, em 2018 nasceu o Projeto NegriCidade, que deu origem a um Centro de Referência e Documentação que reune pesquisas sobre os territórios negros soterrados. O projeto tem como objetivo central identificar, em Belo Horizonte e redondezas, e reivindicar o reconhecimento público de territórios e expressões culturais soterradas pela construção da nova cidade. Uma das atividades oferecidas em decorrência dessas pesquisas é o “Caminhos do Rosário”, que oferece visitas mediadas no local onde antes existiam a Capela do Rosário e o Cemitério da Irmandade dos Homens Pretos.